OS LIMITES DA POLÍTICA ECONÔMICA

Ubiratan Iório

Site "O Economista"

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Naturam expellas furca tamen usque recurret. (Expulsai a natureza, ela voltará correndo).


A política econômica, só, não pode fazer nem verão e tampouco milagres, embora a maioria das pessoas – nela incluída a quase totalidade dos economistas – costume pensar o contrário. O problema é muito sério e decorre de, pelo menos, setenta anos de um academicismo calcado em moldes keynesianos ou marxistas, em que os profissionais são treinados, no primeiro caso, para o intervencionismo das políticas de regulação da demanda agregada, em busca da “sintonia fina” que, segundo Keynes e seus seguidores, seria capaz de levar a economia a operar sempre próxima ao nível de “pleno emprego” ou, em linguagem moderna, a trabalhar perto de seu nível “normal” ou “natural” de produção e, no segundo caso, para decidir sobre o que, o quanto, como e para quem produzir.


Poucas falácias são tão perigosas quanto a de se crer que, mediante políticas macroeconômicas (fiscal, monetária e cambial, principalmente) “corretas”, ou seja, bem planejadas por meia dúzia de iluminados (talvez da Unicamp, da USP ou da UFRJ), as grandes doenças da economia podem ser eliminadas. Primeiro, porque, se tal argumento fosse verdadeiro, não haveria praticamente mais desemprego, desde que Lord Keynes publicou sua extremamente pretensiosa Teoria Geral - cujo título correto deveria ser “Teoria Particular” – e viu suas recomendações especialíssimas, feitas para a Grande Depressão (e, mesmo assim, passíveis de críticas contundentes) serem colocadas em prática pelos governos, em todo o mundo, como fruto de uma união bastarda e interesseira entre economistas e políticos, todos ávidos de fama e sequiosos de poder. Segundo, porque, ao se acreditar na falsa tese de que os economistas do governo podem fazer mais do que aquilo que a realidade lhes impõe, termina-se caindo infalivelmente em um tipo de crítica do tipo: “nossa economia vai indo mal por conta da política do ministro A ou B; portanto, se ela fosse entregue ao ministro C ou D, ou se houvesse uma mudança de rumo, tudo melhoraria”. E terceiro, porque, de intervenção em intervenção, de controle em controle, de “preço administrado” em “preço administrado”, caminha-se inescapavelmente, em algumas décadas, para o intervencionismo total, para a táxis de que nos falou Hayek.


O fato inelutável é que a afirmativa de que uma simples troca de ministros ou guinada na política econômica pode resolver os males econômicos e sociais só poderia conter alguma verdade no caso de estar sendo aplicada uma política econômica totalmente incorreta, como, por exemplo, todas as que nos foram impostas nos cinco congelamentos de preços que o Brasil decretou, entre os “cruzadeiros” de 1986 e o período daquela ignorante, despreparada e arrogante senhora, que foi ministra da Economia de Collor. É óbvio que, se uma política econômica está errada, ela pode e deve ser modificada para melhor. Mas, quando a equipe econômica (Fazenda e Banco Central) de um governo está atuando de forma correta e, mesmo assim, a economia do país vai mal das pernas, deveria ser claro para todos que o problema não está na política econômica em si, está fora dela, está, mais precisamente, ou na sua “equipe política”, ou nas instituições (como o Congresso e o Judiciário) ou em ambas.


Este é, resumidamente, o estado das coisas no Brasil. Palocci e Meirelles vêm desempenhando suas funções de forma correta e, mesmo, de modo mais eficiente do que a maioria dos que os antecederam no comando da economia. Sem medo de cometermos um exagero, podemos afirmar que, desde que Roberto Campos e Octavio Gouvêa de Bulhões, auxiliados por Dênio Nogueira no Banco Central, assumiram o pesado encargo de cuidar da economia do país, não se viu tanta competência, talvez com uma ou duas exceções.


Por que, então, os resultados estão deixando a desejar? E por que, caso a dupla venha a ser substituída e sua política monetária, por conseguinte, mudada, no sentido de reduzir a taxa básica de juros de forma a reaquecer a demanda, não podemos esperar nada além de inflação, mais desemprego e ausência absoluta de crescimento econômico e, talvez, de uma crise cambial?


A resposta, simples e cristalina para qualquer economista não contaminado pelo virus keynesianus, tem duas partes, que se encaixam como as lâminas de uma tesoura. A primeira é que qualquer governo é forçado a trabalhar, especialmente em um país em que a maioria de suas instituições, tais como os partidos políticos, evidenciam grande fragilidade programática, com duas equipes, a econômica e a política. Ora, a economia pode ser vista como um jogo, já que se trata de milhões de decisões tomadas, por parte dos agentes econômicos, sob condições de incerteza genuína. Desse jogo participam três jogadores, a saber: a equipe econômica (E), que determina as políticas macroeconômicas (monetária, fiscal e cambial), definidas como o conjunto das ações de curto prazo em cada uma dessas áreas tomadas pelas autoridades; a equipe política (P), que deve prover a sustentação (ou a sua falta) do governo no Congresso e os demais agentes (A) que tomam decisões econômicas, desde uma simples dona de casa, até um grande banco, passando pelas empresas e por todos os setores da economia, ligados ou não com o setor externo.


A segunda lâmina da tesoura aparece quando E, mesmo agindo corretamente, (como no caso de Palocci e Meirelles), tem a sua atuação prejudicada por P e, ainda, quando P é o jogador dominante, aquele que determina a forma de agir de E, condições em que o jogo deixa de ser cooperativo, o que impõe pesados custos a A, ou seja, à “sociedade”. Isto fica claro quando nos damos conta de que E, nestas condições de dominância de P, fica restrito apenas a ações de curto prazo, às “políticas de demanda” de cunho keynesiano, mas não tem como desenvolver ações de longo prazo, estruturais, que possam de fato modificar os regimes monetários, fiscal e cambial. O resultado é bastante conhecido: a Fazenda e o Banco Central (E) apertam, apertam, apertam e os políticos afrouxam, afrouxam, afrouxam ou, quando não o fazem imediatamente, pressionam até que consigam fazê-lo, mais cedo ou mais tarde.


Um exemplo simples esclarece este ponto: E mantém a taxa de juros elevadíssima e aumenta a carga tributária fortemente, mas P ressuscita a Sudam e a Sudene, cria mais estatais, contrata miríades de “companheiros”, aumenta, enfim, a estrutura e o valor presente dos gastos públicos e emite sinais claros de que continuará a fazê-lo. Neste caso, o resultado não pode ser outro: recessão e desemprego no curto prazo, sem nenhuma perspectiva de crescimento sustentado. No longo prazo, ou morrerão todos de fome – a começar, obviamente, por A – ou P, que é o jogador dominante, substituirá E e alterará a política econômica, adequando-a a seus interesses, levando a resultados desastrosos após algum tempo: inflação acompanhada por um espasmo de crescimento, abortado em seguida pelo recrudescimento da inflação e estagnação da economia. Os economistas austríacos já sabiam disto desde o início do século XX. Mises, por exemplo, chamava a atenção para esse problema de descoordenação em 1912, na sua monumental obra Teoria da Moeda e do Crédito.


Este é o jogo praticado atualmente no Brasil: dominância de P sobre E e A, irresponsabilidade, falta de patriotismo e de ética e incompetência por parte de P, passividade – por índole e por ignorância – de A. E esta maldita crendice generalizada no mito de que a política econômica é capaz de fazer mais do que o que seus limites demarcam. O marxismo e o keynesianismo, com todas as as suas sub-corrente,s ricas de adjetivos, porém paupérrimas de conteúdo, precisam ser varridos dos currículos dos cursos de Economia!


De nossa parte, fizemos o possível quando montamos o curso de graduação em Economia das Faculdades Ibmec, no Rio de Janeiro, há exatos dez anos. No currículo original, esses assuntos eram tratados nos cursos de História do Pensamento Econômico. Isto, como era de se esperar, durou pouco, a rigor, apenas três anos, ao cabo dos quais, mesmo em uma instituição que nem de longe pode ser chamada de “esquerdista”, foram compulsoriamente introduzidos nos programas e ementas, o que motivou minha saída daquela instituição. Nba Faculdade de Economia da UERJ, mesmo ocupando na época a importante função de Diretor, o máximo que o assembleísmo ali reinante nos permitiu foi introduzir no currículo um curso – eletivo! – sobre a Escola Austríaca de Economia. Na Universidade Estácio de Sá, no período em que Roberto Campos era o chanceler, convidou-nos para refazer o currículo do curso de graduação em Economia e a experiência durou enquanto ele permaneceu naquele cargo... Observemos que as três instituições citadas foram avaliadas pelo Ministério da Educação com o conceito “A”.


Estes são os economistas formados naquilo que nosso iletrado Presidente chama, ad nauseam, de “nosso país”. Este é o nosso país, de economistas intervencionistas. O que podemos esperar diante de um quadro destes? Aqui, pode-se permanentemente expulsar a natureza, porque, ao que tudo indica, ela não volta, nem a galope, nem correndo e nem a pé...

Domingo,6 de Junho de 2004